04/11/2010

NOSSO PAI FUNDADOR FALA EM SUA...
 
Nona Carta
ÀS ANGELICAS (II)
10 de junho de 1539

Prezada Angélica, Paula Antônia
Minha querida filha em Cristo e todas as outras.
Amanhã é a festa do companheiro do apóstolo São Paulo, São Barnabé. Não posso, portanto, deixar de agir com vocês do mesmo modo que ele agiu em relação a Paulo, que desejaria ser pessoalmente e de maneira transparente um exemplo vivo do Cristo Crucificado.
Você sabe que Paulo, quando foi pela primeira vez a Jerusalém, logo depois da sua conversão, procurava um jeito para inserir-se entre os outros cristãos e de entrosar-se com eles, para ser reconhecido por todos, como cristão. Mas, eles, tendo medo de que Paulo ainda fosse o que era antes, não tinham coragem de andar com ele. Barnabé, então, pegou-o pela mão e o levou aos Apóstolos e disse: Eis aquele que era... etc. e depois Cristo lhe apareceu... etc. e fez e disse... etc.(At.9,26-27) e assim, na presença deles, tornou-o conhecido de todos. Enquanto Paulo permanecia quase escondido, muito satisfeito da vida, sem medo de ser dominado pelo orgulho, Barnabé o apresentou a todos os cristãos como uma coluna e como aquele que quase tinha chegado a ser o primeiro entre os Apóstolos.
Ora, minha irmã, se me permite, desejaria ter com você a mesma liberdade que têm os grandes santos e também manifestar-lhe que aquilo que, por causa da grande perfeição que eles têm, é neles uma experiência e um sinal certo de sua santidade madura, seria para nós, ocasião de clara e verdadeira ruína ou então, um sinal evidente de não termos ainda abandonado os nossos hábitos antigos e envelhecidos. Você se lembra do que se diz daquele santo citado por São João Clímaco, que, tendo certeza de ter superado a gula, ofereceu ao demônio um cacho de uvas, para ver se ele era capaz de tentá-lo com isso? A mesma coisa: uma pessoa que quer saber se não existe mais uma paixão em si e nos outros ou, até que ponto está controlada: ela procura reavivá-la com palavras e atitudes ou de qualquer outro modo, enquanto, interna e externamente vai acompanhando tudo, para ver no que vai dar e, daí, vai tendo uma visão clara da sua situação interior e também dos outros.
Não vou falar das coisas que só você pode compreender, mas das que todas as Angélicas compreendem, deixando por sua conta meditar sobre o resto.
Barnabé diz: Saulo, ou seja, o rosto do nosso primeiro homem e a imagem das nossas primeiras inclinações: as nossas paixões. Olha só a conversa fiada dessa pessoa! Fala mais que um papagaio! Nunca está na oração com as outras, está sempre ocupada com as coisas de fora, fica na cama dormindo à toa! Será que não é esse o rosto de Saulo ou, em outras palavras, a figura do nosso primeiro homem velho?
Mas isso não é nada! O fato de exigir ser bem servida, de querer luxo no quarto, de falar sempre repreendendo os outros, de nunca dizer uma palavra boa aos outros, de não mostrar estima para ninguém: o que seria isso, a não ser as características dos nossos costumes antigos? E mais ainda: o fato de não estar satisfeita nunca, sempre aberta para as tentações, tendo idéias duvidosas e pouco claras: isso prova que ela ainda é a mesma que era antes de entrar na vida religiosa ou, pelo menos, que é imperfeita e que mudou muito pouco.
O fato de ter um estômago que só quer comida fina e sofisticada mostra que a gula ainda está forte. O fato de não saber esperar nem um pouco sem mostrar impaciência, de não poder ficar de joelhos sem ter um banco onde se apoiar, de reagir diante de qualquer coisa de cara fechada, o que significa isso, senão uma personalidade cheia de não-me-toques?
Vejam se isso fica bem: mal uma pessoa se mexe e já está cansada, mal se senta para conversar com os outros aumenta esta dor. Isso pode ser tudo, menos uma perfeição amadurecida! Essas situações e outras parecidas são o Saulo, isto é, mostram a figura do homem imperfeito.
Mas, não critiquem - diz Barnabé - pois fiquem sabendo que a este ou esta, que parecem ter estes defeitos, o Cristo apareceu, etc... Fiquem sabendo, minhas filhas, que na irmã Paula Antônia, encontrarão uma maneira interna e externa de ser santa. Se quiserem conhecer bem toda a sua vida, ou se eu revelar quem é esta pobre mulher, tenho quase certeza que ela ficará envergonhada e abaixará a cabeça para não passar pela santa que é.
De fato, reparem que ela nunca lhes fala, sem que acenda em vocês o fervor ou sem que o faça renascer; reparem que até quando parece falar distraída, na realidade, ela repara tudo em vocês e as trabalha interiormente; reparem que ela nunca para por motivo de descanso, mas está sempre adquirindo alguma coisa nova para si e para os outros; reparem que ela nunca vai deitar sem dar-lhes um exemplo com palavras ou com o silêncio; reparem se, alguma vez, foi tão distraída a ponto de não perceber tudo o que vocês estão dizendo ou de não provocar bons exemplos em vocês ou de não as orientar!
Não façam críticas nem digam nada, pois quero revelar mais alguma coisa. Quando ela não está na oração comunitária, é exatamente nesta hora que mostra que está rezando; quando vocês a virem muito aflita, procurando aprender dos que não têm sabedoria, é porque quer mostrar que é simples e ignorante; quando virem o bom gosto da arrumação do quarto dela, é que deseja passar por ridícula e porque quer ser tratada como quem não entende das coisas e não quer parecer que já tem o consolo do Cristo Crucificado ou mesmo as instruções do apóstolo Paulo. Com a mesma palavra ressuscita e mata, com as mesmas maneiras, acaricia e estraga (Dt.32,39).
Vou ficando por aqui. Quem quiser observá-la nas suas ações, certamente encontrará nela a figura de Saulo, mas Barnabé dará testemunho de que ela não é o que parece, nem o que era antes.
Querida irmã, desejaria dizer algo mais; entretanto, não queria que você ficasse de mal comigo. Você, porém, dirá o resto para as outras.
Só vou falar mais o seguinte; diga às Angélicas que não usem, nem tomem a liberdade de fazer estas mesmas coisas, pois eu garanto que, nelas, o resultado seria o contrário do que acontece nela. Por isso, em vez de crescer na perfeição, elas cairiam, talvez, no inferno do pior relaxamento.
Portanto, não lhes convém a conversa fiada: o que convém, isso sim, é observar o silêncio que lhes foi pedido. Não lhes fica bem trabalhar, falar ou pensar, sem um controle interior e exterior.
E assim, o fato de não terem o controle de suas vontades, as levaria ao desleixo, pois elas ainda estão longe do ideal. Terem um cargo, seria motivo de presunção; saber muitas coisas, motivo de orgulho; a distração as tornaria relaxadas; o não mortificar a própria vontade, mesmo nas coisas boas, as tornaria grosseiras e as afastaria totalmente dos ideais de São Paulo e de sua vida.
Reflitam e vejam o mal que é para elas desejar comodidades; embriagar-se - não de vinhos finos- e saciar-se - não de comidas requintadas - mas de consolações espirituais e se alimentarem, mesmo que só um pouco, com a auto-satisfação: se não forem cegas, elas verão o mal que estas coisas fazem.
Diga-lhes, portanto, que o Apóstolo Paulo lhes apresenta um Cristo Crucificado em todos os sentidos, não só Ele Crucificado, mas também crucificado nelas; e insista para que assimilem bem esta idéia. E se são tão ignorantes, a ponto de não entendê-la bem, diga à Mestra, irmã Paula, que lhes explique tudo isso, pois o fervor e a capacidade de expressão que ela tem, substituirão tudo o que eu quis, dizer.
É só isso, minha irmã!
Seu pai e filho.
Padre Antônio Maria.

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