Sétima Carta
AOS CONFRADES
3 de novembro de 1538
Aos prezados Sr. Tiago Antônio Morigia
e Batista Soresina e a todos os outros.
Queridos filhos em Cristo.Parece que o demônio está me tentando e me levando a julgar mal as atitudes de vocês, insinuando que, pelo fato de nenhum de nós estar aí, há em nossa casa uma grande confusão, além do mal que ele jogou e continua jogando nos seus corações, de modo que tudo está em desordem. Claro que eu não acredito que isso seja verdade, mas vou dizer o que acho. Não fiquem pensando que eu escrevo para dar broncas e para ser severo. Mesmo que fosse assim, seria só por causa da grande consideração que tenho por vocês. Mas eu estou preocupado!
Digo a vocês, por isso, que as minhas suspeitas me levam a pensar que o demônio está dizendo a verdade, porque, de fato, parece que há alguns de vocês que não podem ou não querem entender as intenções dos seus superiores. Fiquem sabendo, queridos filhos, que é coisa muito boa ter regras de vida por escrito ou receber ordens escritas dos superiores. Mas estas coisas não valeriam nada se não estivessem gravadas em nossos corações. E, se por exemplo, houvesse alguém que, mesmo não sendo dos nossos, quisesse conhecer todo nosso jeito de viver, tendo sempre presente o que nós queremos, esse homem seria um nosso discípulo muito mais fiel e muito mais autêntico do que aquele que tivesse as nossas ordens escritas só no papel e não no coração, mesmo tendo o orgulho de ser chamado de nosso discípulo.
Não fiquem pensando que esquecer ou relaxar as ordens dos nossos superiores seja uma coisa normal. Isso seria uma ducha fria nos nossos primeiros ideais. Ou até mesmo uma certeza para os superiores de que, se eles morrerem ou ficarem ausentes, nós logo abandonaríamos os seus exemplos. Por acaso os discípulos que são mais fervorosos do que os seus mestres destroem o que eles plantaram? Pelo contrário, em vez de destruir, não estariam acrescentando mais perfeição e firmeza às suas realizações?
Ainda bem que Deus fechou os nossos olhos, para que vocês enxerguem melhor e possam tornar-se filhos legítimos, já que seus pais os geraram bastardos. Se seus olhos forem cegos e adúlteros, imagina só como será o resto do corpo! Não digo isso para os envergonhar, mas porque desejaria que vocês tratassem os seus guias com a mesma fidelidade com que eles os tratam.
Será que a firmeza de suas convicções íntimas não deveria sutentá-los sem precisar de ordens escritas? Se vocês forem generosos, aprenderão a se governar por si mesmos, sem leis exteriores, mas com elas nos corações. Desse modo, cumprirão não a palavra exterior, mas a própria intenção interior. É assim que convém agir, se não quiserem obedecer como empregados e sim como filhos.
Sendo assim, tendo quem os governe, deixar-se-ão governar. Se for um anjo a governar vocês, não se preocuparão com quem os governa, seja este ou aquele e, quando não tiverem ninguém para os governar, a sua própria consciência os governará. E, tendo governo ou não, vocês conservarão sempre a união como os seus chefes e não provocarão mais tantas divisões.
No futuro, vocês não considerarão rigorosas as palavras e o comportamento dos seus superiores, mas em todas as ocasiões, saberão governar-se, ora mais, ora menos rigorosamente, mas sempre conforme as intenções deles.
E vão evitar também imitações bobas dos modos e das falas dos outros, porque se fica bem a uma criança dizer mãe ou mãezinha, papai ou papaizinho, isso já não seria próprio de um homem adulto. O mesmo se diga para as coisas espirituais.
Então, se alguém faz uma tarefa que já é de outro, não fique com ciúmes. Afinal, o que estamos querendo? Por acaso queremos ser patrões ou senhores? Ou queremos ajudar-nos uns aos outros no caminho da perfeição e da humildade? E se é assim - como de fato é - por que um destrói o que o outro faz?
Pelo amor de Deus, que as palavras lisonjeiras não os amoleçam e os elogios não lhes subam à cabeça, mas nos conformemos todos com o
Cristo.
Ninguém transgrida as ordens e, se alguém as transgredir, o outro as observe melhor ainda. Na falta de quem mande, cada um seja seu próprio mestre e se supere.
Comprometam-se com atitudes de humildade e de simplicidade e não procurem a própria vontade, mas a de Cristo em vocês, pois assim se sentirão mais facilmente pertencentes a Ele (Rm.13,14). Desse modo, vocês fugirão da rotina e satisfarão o desejo de Frei Batista (nosso santo pai) que, como vocês se lembram, queria que fôssemos plantas e colunas de renovação do fervor cristão (Ef.3,4 / 4,23).
Se vocês soubessem quantas
promessas de renovação foram feitas a tantos santos e santas! E todas elas vão acontecer nos filhos e filhas de nosso pai, a não ser que Cristo quisesse enganá-los, o que Ele nunca vai fazer, pois é fiel cumpridor de sua Palavra.
Ó querido pai, você suou e sofreu e nós recebemos os frutos, você carregou a cruz e nós descansamos demais! Pois agora, nós faremos crescer os seus frutos e os nossos também, aceitando e carregando a cruz.
Filhos e plantas de Paulo, alarguem os seus corações (2Cor.6,13), pois quem os plantou e ainda planta, tem o coração maior e mais aberto que o mar e não sejam inferiores à vocação para a qual foram chamados (Ef.4,1). Se vocês quiserem, serão, desde já herdeiros e filhos legítimos do nosso santo pai e dos grandes santos e o Cristo Crucificado estenderá suas mãos sobre vocês.
Não minto para vocês e não há ninguém de nós que queira mentir, por isso, procurem dar-me grande satisfação e lembrem-se de que, estando aqui ou fora, vocês têm a obrigação de dar-me satisfação. Chega! Que o próprio Cristo escreva... a nossa saudação em seus corações.
Seus pais e guias em Cristo.
Padre Antônio Maria e Angélica Paula Antônia Negri
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