08/10/2010


Segunda Carta
AOS COFUNDADORES
4 de janeiro de 1531

                                         Aos meus queridos companheiros, Bartolomeu e Tiago Antônio.

O Deus da paz e de toda graça os guarde e lhes conceda aquela firmeza e decisão em tudo o que fizerem e desejarem, como eu gostaria.
É uma grande verdade que Deus fez o homem instável e querendo sempre mudar, para não ficar parado no mal e, também, para que, conseguindo um bem, não fique parado só nele, mas passe para outro maior e, desse, para outro maior ainda e, assim, crescendo degrau por degrau, chegue à perfeição.
É por isso que se diz que o homem que está no mau caminho, não fica nada satisfeito, isto é, não encontrando prazer no mal, pode continuar nele: e assim, não parando no mal, irá para o bem. Do mesmo modo, não se satisfazendo só com as criaturas, passará para Deus.
Bem! Por enquanto, deixo de lado as várias causas das insatisfações dos homens: o que já escrevi, chega!
Coitados de nós! A firmeza e a decisão que devemos ter para fugir do mal, não as estamos usando para fazer o bem; tanto é verdade, que eu me admiro muitas vezes com a grande falta de firmeza que está em mim e isso vem de longe!
Meus irmãos, eu estou certo de que, se eu meditasse profundamente a respeito dos males que surgem por causa dessa tal falta de firmeza, já os teria arrancado pela raiz há muito tempo!
A falta de firmeza, antes de mais nada, atrapalha o homem: ele não progride, fica como quem está entre dois ímãs: não é atraído nem por um, nem pelo outro; isso quer dizer que ele não faz o bem agora, porque se preocupa com o futuro, nem se prepara concretamente para o futuro, porque perde tempo agora e não acredita no futuro. Querem saber com quem este homem se parece? Com quem tem a pretensão de amar duas coisas opostas. É igual àquele que quer caçar dois coelhos ao mesmo tempo: um foge e o outro escapa!
Enquanto o homem ficar indeciso e cheio de dúvidas, é certo que não vai fazer coisa boa: é a voz da experiência, eu nem preciso falar.
E tem mais: a falta de firmeza deixa o homem instável como as fases da lua. E não acabou não! O homem indeciso está sempre inquieto, nunca se sente satisfeito; mesmo quando está muito alegre, fica triste facilmente, fica irritado e procura facilmente suas compensações.
Na verdade, esta erva daninha vem da falta de luz divina. O Espírito Santo chega logo ao mais íntimo das pessoas, não fica na superfície, mas quem não enxerga o seu interior, não consegue decidir-se de jeito nenhum.
Esta falta de firmeza é resultado da mediocridade, mas também a provoca: de fato, o homem indeciso, na hora de dar conselho a respeito de algum problema, é capaz de falar todas as razões que existem, mas não sabe decidir quais as certas. E então, nunca diz o que deve ser feito e o que deve ser deixado; por isso, se antes a dúvida era pequena, depois se torna grande e, assim, nós nunca nos decidimos. O homem indeciso perde o entusiasmo e se torna medíocre (morno).
Quem quiser apontar as tristes consequências e as causas da falta de firmeza, vai levar mais de um ano; a verdade é que, se o mal fosse só esse, já seria até demais, porque, enquanto o homem fica duvidando, não consegue fazer nada. Para fugir desse defeito, temos duas saídas que o próprio Deus nos indica: a primeira nos ajuda, quando somos obrigados a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa ali na hora: qual a saída? É elevar nossa mente, pedindo o dom do conselho; em outras palavras, quando acontece uma coisa repentina e imprevista, que exige providências rápidas, aí é que elevamos a mente a Deus, pedindo que nos inspire o que temos que fazer: desse modo, sob a inspiração do Espírito Santo, não vamos errar. A segunda é que, tendo tempo e oportunidade para pedirmos orientação, vamos ao nosso orientador espiritual e, conforme o que ele disser, fazemos ou deixamos de fazer algum trabalho ou outra coisa qualquer.
Meus caros amigos, se não tomarmos providências contra essa erva daninha, ela vai provocar em nós um péssimo efeito: a negligência, que é totalmente contrária aos caminhos de Deus. De fato, o homem deve pensar e repensar, moer e remoer na hora de ele fazer alguma coisa importante mas, depois que pensou e se aconselhou, não pode deixar para agir mais tarde, pois, nos caminhos de Deus precisamos, antes de mais nada, de prontidão e dedicação.
Já dizia o profeta Miquéias: Ó homem, já foi explicado o que Javé exige de você: praticar o direito, amar a misericórdia, caminhar humildemente com seu Deus (Mq.6,8). E São Paulo: Quanto ao zelo, não sejam preguiçosos: sejam fervorosos de espírito, servindo ao Senhor (Rm.12,11). E também São Pedro: Por isso mesmo, irmãos, procurem com mais cuidado firmar o chamado que escolheu vocês. Agindo desse modo, nunca tropeçarão (2Pd.1,10). Ele diz: sejam dedicados. Em muitos outros trechos da Sagrada Escritura vamos ver que a prontidão é exigida e exaltada.
Meus amigos, é verdade que dessa falta de firmeza que há no meu comportamento, nasce em mim - não sei se é também por outro motivo, mas é quase sempre por causa da falta de firmeza - uma negligência tão grave e uma demora tão grande na hora de agir, que eu nunca me decido a começar uma coisa ou então, se eu começo, vou me arrastando tanto, que nunca chego ao fim.
Vocês se lembram do exemplo daqueles irmãos que tinham perdido o pai e, que ao ouvirem o conselho de Cristo que deixassem os mortos sepultarem os mortos, imediatamente O seguiram? (Lc. 9,60) Pedro, Tiago e João, ao serem chamados, também deixaram tudo de lado e O seguiram.(Mt.4,18). E vocês acharão outros exemplos e vão ver que os que amaram Cristo, foram sempre fervorosos e aplicados, nunca preguiçosos. Que vergonha a nossa!
Coragem! Levantem-se de uma vez por todas e juntem-se a mim, porque eu quero que arranquemos juntos esta erva daninha, se é que ela também está em vocês. Mas, se ela não pegou em vocês, venham ajudar-me, pois em mim, ela está plantada no coração. Pelo amor de Deus, ajudem-me de perto a arrancá-la, para eu poder imitar Jesus Cristo, que assumiu uma atitude concreta contra a falta de firmeza, obedecendo até à morte (Fl.2,8) e correu, para não se omitir, ao encontro da vergonha da cruz, não ligando para o que ia sofrer (Hb.12,2).
E, se agora vocês não têm outros meios para me ajudar, venham em meu socorro, pelo menos com suas orações.
Meus amigos, para quem eu estou escrevendo? Ora, para os que agem de verdade e não para os que ficam só falando, como eu. Mesmo que eu seja assim, foi a consideração que eu tenho por vocês, que me levou a escrever-lhes estas poucas linhas.
Vou dizer mais uma coisa: tenho receio que vocês dois demorem demais para acabar de imprimir o livro. E você, Bartolomeu, já resolveu o caso do João Jerônimo? Já faz muitos dias e vocês não me enviaram nem a informação que eu pedi e nem me disseram uma só palavra a respeito do que já conseguiram fazer até agora. Eu até desculpo vocês, mas olhem bem para a consciência: vocês merecem desculpas, ou puxão de orelhas?
Coragem, irmãos! Se até agora houve alguma falta de firmeza em nós, vamos jogá-la fora junto com a negligência e corramos como loucos não só para Deus, mas também para o próximo, pois é o próximo que recebe tudo aquilo que não podemos dar a Deus, porque Ele não precisa de nossos bens.
Lembranças ao nosso amigo comum, o Pe. João. Frei Bono pede a ele e a vocês dois que rezem por ele e por mim.
Seu irmão em Cristo.
Pe. Antônio Maria Zaccaria

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